sábado, 31 de outubro de 2009

Escola no hospital: Políticas públicas para educação de estudantes hospitalizados

Escola no hospital: Políticas públicas para educação de estudantes hospitalizados

Armando de Castro Cerqueira Arosa

armandoarosa@yahoo.com.br

Texto de palestra ministrada no IX EDUCERE - 2009


O presente texto reflete sobre a necessidade de consolidação de políticas públicas de educação para crianças e jovens em situação de internação hospitalar ou em atendimento pedagógico domiciliar, considerando que essa reflexão faz parte do movimento pela garantia do direito de todos à educação.
Esse movimento, igualmente, se dá na compreensão de que é necessário articular, de modo dialético, o particular e o universal. Refletir sobre a escola no hospital significa dirigir o olhar sobre a escola, a sociedade e as relações que nelas se travam, compreendendo também que as práticas pedagógicas que se desenvolvem no ambiente hospitalar dialogam com aquelas desenvolvidas na escola convencional.
Nesse sentido, a reflexão sobre as políticas que garantam o acesso à educação em ambiente hospitalar não a dicotomiza com a prática pedagógica realizada no espaço escolar convencional, ao contrário, trás novas possibilidades de se problematizar o formato escolar hegemônico e mostrar outras possibilidades de conceber o currículo, a avaliação, as práticas gestoras, as formas de mediação pedagógica e a formação dos profissionais de educação[1], portanto, as políticas educacionais.

Política pública
Para Saraiva, política pública é “um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade” (2006, p. 28).[2] Tais decisões são condicionadas pelas relações travadas no contexto sócio-econômico e político, envolvendo os valores, as idéias e as concepções de mundo dos atores envolvidos no processo de conflito em que se dá sua construção.
Sob o ponto de vista de sua operação, é possível dizer que uma política pública é um sistema de decisões que visa ações, e omissões, de caráter preventivo ou corretivo, destinadas a manter ou modificar a realidade em seus diversos aspectos, por meio da “definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos” (idem, p.29), ressaltando que, nesse contexto, é preciso reconhecer as forças políticas que se confrontam no sentido de fazer vitoriosos seus interesses e suas concepções.
Para Shiroma, Moraes e Evangelista (2004), as políticas Públicas, em especial as políticas sociais, são permeadas por lutas, pressões e conflitos. Assim, essas políticas não são estáticas ou resultam de iniciativas abstratas, mas se inscrevem por meio de ações estrategicamente empregadas no contexto dos conflitos sociais e expressam a capacidade administrativa e gerencial de implementação de decisões de governo.
Na concepção de Saraiva (2006), as políticas passam por diversos estágios, em que “os atores, as coalizões, os processos e as ênfases são diferentes” (p. 33). Numa primeira etapa, temos o momento da inclusão de determinado pleito social na lista de prioridades do poder público, ou seja, o momento em que tal pleito passa a integrar a agenda do Estado.
O segundo estágio consiste na elaboração da política, momento em que se realizam a identificação e a delimitação de um problema atual ou potencial da comunidade, a determinação das possíveis alternativas para sua solução deste problema, a avaliação dos custos e efeitos de cada uma delas, bem como o estabelecimento de prioridades.
Para Saraiva (idem), a formulação, terceiro estágio de uma política pública, inclui “a seleção e especificação da alternativa considerada mais conveniente, seguida de declaração que explicita a decisão adotada, definindo seus objetivos e seu marco jurídico, administrativo e financeiro” (p 33).
Na implementação da política, temos o planejamento e a organização do aparato administrativo e dos recursos diversos que são necessários para executar a política. “Trata-se da preparação para pôr em prática a política pública, a elaboração de todos os planos, programas e projetos que permitirão executá-la” (p. 34).
No momento da execução, temos o conjunto de ações destinado a atingir os objetivos estabelecidos pela política. Nesse estágio, põe-se em prática a política, incluindo-se também o estudo dos obstáculos que se opõem à transformação das propostas em resultados objetivos.
Para o autor, o acompanhamento, sexto estágio de uma política pública, é “o processo sistemático de supervisão da execução de uma atividade (e de seus diversos componentes), que tem como objetivo fornecer a informação necessária para introduzir eventuais correções a fim de assegurar a consecução dos objetivos estabelecidos” (p. 35).
Por fim, o estágio da avaliação, “que consiste na mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às conseqüências previstas e não previstas” (p 35).
Esses estágios são compreendidos aqui como elementos que se inscrevem num complexo sistema de relações sócio-políticas em que a não-linearidade, a contradição e a dinamicidade marcam sua construção. Desse modo, uma política pública não se encerra em si mesma, não ocorre de forma linear e precisa ser construída e revista, considerando a necessidade de que seus componentes sejam articulados com outras políticas e envolvendo os diversos nelas envolvidos.

Classe Hospitalar
As primeiras experiências de intervenção escolar em hospitais ocorreram na França em 1935 e, posteriormente, na Alemanha e Estados Unidos. O atendimento à criança hospitalizada cresceu sensivelmente após a Segunda Guerra Mundial, quando alguns países da Europa receberam, como conseqüência cruel deste conflito, crianças mutiladas e com doenças contagiosas como a tuberculose, por exemplo, muitas vezes fatal à época (VASCONCELOS, 2006).
A ação educativa no espaço hospitalar mais antiga no Brasil ocorre a desde 1950, no Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro. Durante os anos seguintes, este trabalho é ampliado, passando a ser desenvolvido no Hospital Barata Ribeiro, mas ainda sem nenhum vínculo ou regulamentação junto à Secretaria de Educação. Os Diretores destes dois hospitais procuraram o órgão responsável do então Estado da Guanabara, na tentativa de regulamentar a atividade. Deste movimento surge a vinculação do atendimento educativo no hospital com a Secretaria de Educação, passando a ser denominado “Classe Hospitalar”.
Hoje, no Brasil, Classe hospitalar é a denominação do atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambiente de tratamento de saúde em circunstância de internação ou ainda na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental. É compreendida na modalidade de Educação Especial por atender crianças e/ou adolescentes considerados com necessidades educativas especiais em decorrência de apresentarem dificuldades no acompanhamento das atividades curriculares por condições de limitações específicas de saúde. Tem por objetivo propiciar o acompanhamento curricular do aluno quando este estiver hospitalizado, garantindo-se a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado (BRASIL, 2002).
O processo de consolidação da classe hospitalar vem ocorrendo num cenário em que os movimentos sociais lutam em favor dos direitos da criança e se inscreve como parte do processo de redemocratização do país, expressa na Constituição Federal de 1988, que dimensiona a educação como um direito de todos, devendo ser efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988).
Esse direito é ratificado na Lei nº 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) (BRASIL, 1990) e na Lei nº 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) (BRASIL, 1996). Esta última prevê também que os Municípios incumbir-se-ão de organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, baixar normas complementares para o seu sistema de ensino e autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino.
Parte desse processo se reflete também na edição da Resolução nº. 41 de 13 de outubro de 1995 do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1995), onde se dispõe sobre os direitos das crianças e dos adolescentes hospitalizados. Neste instrumento, a ação educativa hospitalar ganha mais força e visibilidade, aparecendo no cenário nacional com status de legislação. Isto posiciona a ação educativa no hospital como parte de uma série de transformações pelas quais o país vem passando, na tentativa de colocar a educação e a saúde como direito de todos. Essa Resolução prevê que toda criança hospitalizada tem direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde e acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência no hospital.
O Conselho Nacional de Educação - CNE, em 2001, tratou da obrigatoriedade e utiliza a nomenclatura "classe hospitalar", no artigo 13 da Resolução nº 2 (BRASIL, 2001). A partir desse momento, então, fica indicado que os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar às aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
Diz a referida Resolução:
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
§ 1o As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular.§ 2o Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de freqüência deve ser realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que atende o aluno.

Em dezembro de 2002, com base na legislação vigente, a Secretaria de Educação Especial do MEC edita o documento intitulado Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações, em que se encontram os princípios, os objetivos e as formas de organização e funcionamento administrativo e pedagógico das classes hospitalares e do atendimento pedagógico domiciliar.
Nesse documento vemos que (BRASIL, 2002):
O atendimento educacional hospitalar e o atendimento pedagógico domiciliar devem estar vinculados aos sistemas de educação como uma unidade de trabalho pedagógico das Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Educação, como também às direções clínicas dos sistemas e serviços de saúde em que se localizam (p.15).

Esse documento entende que atendimento pedagógico domiciliar é o atendimento educacional que ocorre em ambiente domiciliar, decorrente de problema de saúde que impossibilite o educando de freqüentar a escola ou esteja ele em casas de passagem, casas de apoio, casas-lar e/ou outras estruturas de apoio da sociedade.
Todavia, embora a legislação reconheça o direito da criança de receber esse tipo de atendimento (pedagógico-educacional, durante o período da internação), esta oferta ainda é muito restrita; conseqüentemente, não garante a todas as crianças esse direito, o que acaba gerando mais desigualdade, à medida que alcança apenas algumas poucas crianças.

Educação formal

Uma das questões a serem observadas nessa discussão é o caráter formal a ser garantido ao atendimento educacional em ambiente hospitalar. Por vezes, esse atendimento é realizado de maneira não-formal, produzindo inseguranças, inclusive na terminologia adotada.
José Carlos Libâneo dimensiona a Pedagogia como o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana (LIBÂNEO, 2000). Para o autor, o "objetivo do pedagógico se configura na relação entre os elementos da prática educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em que ocorre” (idem, p. 30). A pedagogia, então, é uma ciência inserida no conjunto das ciências da educação, diferenciando-se das demais para garantir uma unidade e construir um sentido às contribuições trazidas pelas outras ciências.
Há, portanto, a concepção de que a pedagogia se ocupa das ações educativas desenvolvidas no cenário social. Nesse sentido, e tomando o termo de maneira ampla, Libâneo compreende que onde houver uma ação educativa intencional, haverá uma pedagogia. Desse modo, é possível pensar numa pedagogia familiar, numa pedagogia sindical, dos meios de comunicação, etc., e numa pedagogia escolar.
O autor considera que as ações educativas ocorrem por meio de diferentes manifestações e modalidades: a educação formal, não-formal ou informal. A educação informal se dá de modo disperso na sociedade, sendo o processo que se realiza espontaneamente a partir das relações estabelecidas entre os seres humanos. Não há, portanto, uma intencionalidade, nem uma sistematização, correspondendo a ações e influências exercidas pelo meio natural e pelo ambiente sócio-cultural. Denomina de não-formal a educação que se desenvolve com alguma sistematização e estruturação, mas fora dos marcos institucionais. É possível dizer que possui algum nível de intencionalidade e sua organização se aproxima da que caracteriza uma unidade escolar. Ocorre, por exemplo, nas ações educativas, não escolares, realizadas em organizações religiosas, associações de classes, nos movimentos sociais, nos meios de comunicação e demais organizações da sociedade civil. De outro lado, a educação formal é a que se orienta por uma clara intencionalidade pedagógica, por uma regulamentação própria, ocorrendo em espaço institucionalmente reconhecido.
O processo pedagógico desenvolvido no espaço hospitalar não pode ser identificado nem com a educação informal, nem com a denominada de não-formal, pois seus pressupostos teóricos, sua organização, intencionalidade e regulamentação ganham cunho de formalidade tanto quanto o do espaço escolar convencional.
A ação educativa que ocorre em espaço hospitalar é regida por alguns princípios que ressaltam seu caráter escolar. O documento Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: Estratégias e orientações (BRASIL, 2002. p. 9) preceitua que:
O direito à educação se expressa como direito à aprendizagem e à escolarização, traduzido, fundamental e prioritariamente, pelo acesso à escola de educação básica, considerada como ensino obrigatório, de acordo com a Constituição Federal Brasileira. A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, tendo em vista o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho segundo a Constituição Federal no art. 205.

Ainda neste mesmo documento, afirma-se que:
Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógico-educacional do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de freqüentar escola, temporária ou permanentemente e, garantir a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de atenção integral.


Fica claro, portanto, o caráter formal da ação pedagógica desenvolvida no ambiente hospitalar, uma vez que a permanência da criança no hospital não pode representar a quebra de seu vínculo escolar, nem a perda de direito à escolarização, sendo, inclusive, como consignado na Resolução nº 2 (BRASIL, 2001) do CNE, garantida e computada a presença à aula. Sendo assim, o caráter intencional que caracteriza a ação pedagógica e o caráter escolar , traço da educação formal, são elementos centrais na construção de uma política que garanta os direitos à educação das crianças hospitalizadas.

Formas de atendimento
Nos anais do 1º Encontro Nacional sobre Atendimento Escolar Hospitalar, realizado no Rio de Janeiro, em 2000, encontramos o resultado de pesquisa realizada (CECCIM, 2000) que demonstra haver uma diversidade de formas de atendimento educativo em ambiente hospitalar. Ricardo Ceccim (2000)[3], afirma que quanto às formas de atendimento podem ser assim classificadas as classes hospitalares no Brasil:
a) quanto à forma de atendimento:
- atendimento escolar: ênfase na aprendizagem escolar e construção dos processos de aprendizagem;
- atendimento recreativo: educação lúdica e lazer;
- atendimento psicossocial: ludoterapia e jogos de socialização;
- atendimento clínico psicopedagógico: ênfase nas condutas emocionais.

b) quanto ao vínculo dos professores:
- professores contratados pelo hospital;
- professores cedidos pelas Secretarias Estaduais de Educação;
- professores cedidos pelas Secretarias Municipais de Educação;
- professores vinculados aos projetos de pesquisa e extensão universitária;
- professores pertencentes aos projetos de voluntariado.

c) quanto à estrutura escolar hospitalar:
- atendimento exclusivamente no leito;
- atendimento com salas de aula na unidade de internação;
- atendimento com salas de aula na unidade de internação, mais salas de apoio e sala de direção escolar.

Hoje, a situação não é muito diferente. Vemos ainda muitas ações de caráter lúdico, recreativo, cultural, artístico, terapêutico, sendo desenvolvidas de modo assistencial, filantrópico, ou ainda de modo direto pelo poder público; podendo-se acrescentar a essas informações o fato de haver ONGs prestando serviços terceirizados e ainda a existência de salas de leitura e brinquedotecas. Esta última por imposição, ainda que não plenamente atendida, da Lei nº 11.104 de 2005[4], que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação desse espaço lúdico nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação (BRASIL, 2005a). Tal espaço, provido de brinquedos e jogos educativos, será destinado a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar. (idem).
Todos esses instrumentos, meios, recursos e estratégias contribuem para o processo educativo e são importantes para o desenvolvimento integral das crianças e jovens em situação de internação, todavia, é necessário que se consolidem políticas que garantam o acesso à educação escolar, tal como se faz para o direito ao brincar, por exemplo, ao se criarem as brinquedotecas.

Problemas
Como vimos, o atendimento aos estudantes hospitalizados é realizado de forma dispersa e sem regulamentação específica que organize os processos, os recursos e as relações que se desenvolvem no espaço da escola no hospital. A legislação sobre o atendimento é igualmente dispersa e se inscreve no contexto da educação especial, sem, contudo, ser estabelecida de forma direta e clara a obrigatoriedade e a regularidade do atendimento.
Se pensarmos nos estágios propostos por Saraiva, vemos que, embora a demanda tenha entrado na pauta do Estado, é preciso aprofundar o debate sobre a política de atendimento ao estudante hospitalizado ou em atendimento pedagógico domiciliar. Sua formulação ainda é precária, pois há inúmeras questões a serem respondidas e não há um marco jurídico organizado de maneira que sejam declaradas as formas de atendimento, seus fluxos administrativos e financeiros.
Sendo assim, sua implementação carece de um planejamento global que preveja a forma de emprego dos setores administrativos do estado na consecução das ações necessárias ao atendimento, o que faz a execução da política se processar de forma aleatória, tornando difícil obter as informações necessárias ao aperfeiçoamento do trabalho realizado.
Consequentemente, fica prejudicada a avaliação a ser feita, uma vez que os estágios da política não se completam e os resultados alcançados não são de todo conhecidos e, como não há planejamento, portanto, o estabelecimento de metas a serem alcançadas, não há como fazer, de forma segura, a crítica a todo o processo.

Proposta
Desse modo, é de extrema importância que a União, os Estados e os Municípios instituam políticas claras que garantam o funcionamento de uma unidade de atendimento educacional em ambiente hospitalar. Esse passo representaria um grande avanço na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, garantindo a todas as crianças o acesso ao saber socialmente construído. Para se compreender como se daria esse movimento, é importante que alguns elementos sejam ressaltados, o que veremos a partir da proposta que é aqui trazida ao debate.
A proposta é que se instituam as Unidades de Educação em Ambiente Hospitalar – UNEAH. Tais unidades seriam vinculadas às Secretarias de Educação, uma vez que fariam parte da rede Municipal ou Estadual de Ensino, utilizando recursos, equipamentos, profissionais e demais elementos que caracterizam o atendimento como escolar. Pertenceria, portanto, à rede regular de ensino, sem, todavia, configurar-se como uma Escola Especial.
Um elemento importante a ser considerado diz respeito à necessidade de ser instalada uma UNEAH em cada Unidade de Saúde que promova internação ou tratamento ambulatorial pediátrico. A legislação vigente e as orientações do MEC apontam para que as crianças tenham direito à educação escolar nessa modalidade de atendimento, independentemente do tempo da internação hospitalar, do tratamento ambulatorial ou em seu domicílio. Nesse último aspecto, vale vincular também à Secretaria de Educação a avaliação a ser realizada, no sentido de se decidir as estratégias administrativas e didático-pedagógicas a serem adotadas.
As normas de funcionamento da UNEAH seriam consignadas em Regimento Escolar próprio a ser instituído pela Secretaria de Educação em parceria com a Secretaria de Saúde. Nesse documento ficariam estabelecidas as formas administrativas de abordagem das questões como: modalidade de matrícula; registro, apuração e controle de freqüência das crianças atendidas; elaboração, guarda e expedição de documentos; atribuições das equipes docente e de gestão da unidade; delimitação dos setores que compõe tal unidade; trânsito dos profissionais nos ambientes do hospital, normas de segurança e prevenção, bem como os demais elementos que contém uma unidade de ensino.
Vale trazer aqui, também, a Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), quando estabelece que a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. Sendo assim, a Secretaria de Educação preveria em sua proposta pedagógica a forma de organização da escolaridade desenvolvida em ambiente hospitalar. Nesse sentido, cada UNEAH deveria, portanto, construir seu Projeto Político Pedagógico.
Para que se garantam os recursos para seu pleno funcionamento, a Secretaria de Educação seria a mantenedora da UNEAH, inclusive determinando que a equipe docente e a equipe gestora de cada uma dessas unidades sejam compostas por profissionais de educação do seu quadro efetivo de servidores.
Quanto a esses profissionais, é necessário que, no âmbito da Secretaria de Educação, seja consolidada uma política de formação continuada em serviço que promova a construção de conhecimentos, valores e práticas que contribuam para sua formação plena. Mas, é igualmente importante que se discutam questões acerca das potencialidades e necessidades específicas atinentes ao seu trabalho cotidiano, lembrando que não há, salvo engano, curso de graduação específico para essa modalidade de atendimento, sendo possível encontrar cursos de Pós-graduação lato sensu, tanto em Educação Especial quanto em Pedagogia Hospitalar.
Como é uma modalidade de atendimento educacional relativamente nova e pouco conhecida, é bom também que se garantam aos profissionais do magistério seus direitos e vantagens, uma vez que quando afastados da escola convencional alguns desses direitos e vantagens são perdidos, como, por exemplo, aposentadoria especial e gratificação por regência de turma. Esse é mais um argumento administrativo, além de outros de caráter pedagógico não mencionados neste texto, para se instituir a escola no hospital, por meio da UNEAH.
É urgente que se criem condições para que todas as crianças sejam atendidas em seus direitos, todavia sabemos das dificuldades por que passam muitos Estados e Municípios, por isso é necessário que seja oferecido um prazo para que os governos organizem seus recursos e criem as UNEAHs. Esse prazo não pode ser muito elástico e deve ser o suficiente para as adequações orçamentárias a serem realizadas, bem como para a formação dos profissionais que atuarão na unidade.
Vale lembrar, por fim, que se fizermos uma análise do processo histórico da educação especial no Brasil (MAZZOTA, 2001), encontraremos a afirmação da conquista pelos direitos humanos. Todavia, a história de rejeição e exclusão de pessoas deficientes ou com necessidades educacionais especiais foi sucedida por momentos em que prevaleceu a compaixão, a filantropia e as condutas de proteção, que até hoje subsistem, apesar de muitos esforços no sentido de que se substitua essa concepção pela consolidação da igualdade de direitos, possível somente com a transformação da sociedade. Parte dessas transformações se dará por meio da implementação de políticas públicas que façam desaparecer as desigualdades.

Referências: AROSA, Armando C. e SCHILKE, Ana Lucia (orgs.). A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007.__________ Quando a escola é no hospital. Niterói: Intertexto, 2008.BRASIL. Constituição Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao_Compilado.htm_________Lei nº 8.069 de 1990; Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em 17 de maio de 2009.__________ CONANDA. Resolução nº. 41 de 13 de outubro de 1995. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacao/legislacao/id2178.htm?impressao=1&. Acesso em 17 de maio de 2009.
_________Lei nº 9.394 de 1996. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm. Acesso em 17 de maio de 2009._________ Resolução CNE/CEB Nº 2 de 2001. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso em 17 de maio de 2009._________ Ministério da Educação. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar : estratégias e orientações. / Secretaria de Educação Especial. – Brasília : MEC ; SEESP, 2002.
_________Lei nº 11. 104 de 2005. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11104.htm. Acesso em 17 de maio de 2009.__________ Ministério da Saúde. Portaria nº 2.261/GM de 23 de novembro de 2005. Disponível em http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-2261.htm. Acesso em 17 de maio de 2009.
CECCIM, Ricardo Burg. FONSECA, Eneida Simões da. Classes hospitalares: onde, quantas e por quê? Anais do 1º Encontro sobre Atendimento Escolar Hospitalar. Rio de Janeiro: 2000. Disponível em http://www.escolahospitalar.uerj.br/anais.htm. Acesso em 17 de maio de 2009.
FONSECA, E.S. Implantação e implementação de espaço escolar para crianças hospitalizadas. Revista Brasileira de Educação Especial 8 (2): 205-222, 2002.
LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e Pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 2000.
MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.
SARAIVA, Enrique. Introdução à Teoria da Política Pública. In:. Políticas públicas; coletânea / Organizadores: Enrique Saravia e Elisabete Ferrarezi. – Brasília: ENAP, 2006. v2.
SHIROMA, Eneida Oto; MORAES, M. C. Marcondes de; EVANGELISRA, Olinda. Política educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2004 3ª edição.
VASCONCELOS, Sandra Maia Farias. VASCONCELOS, Sandra Maia Farias. Intervenção escolar em hospitais para crianças internadas: a formação alternativa re-socializadora. Congresso Internacional de Pedagogia Social, 2006, São Paulo (SP) Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000092006000100048&script=sci_arttext. Acesso em 17 de maio de 2009.

[1] Esses aspectos são abordados em A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras (AROSA; SCHILKE, 2007) e Quando a escola é no hospital. (AROSA; SCHILKE, 2008).

[2] “No que diz respeito aos diversos significados da expressão “política pública”, Aguilar Villanueva afirma, inspirando-se em Subirats e em Hogwood e Gunn, que a “política pode denotar várias coisas: um campo de atividade governamental (política de saúde, educacional, comercial), um propósito geral a ser realizado (política de emprego estável para os jovens), uma situação social desejada (política de restauração de centros históricos, contra o tabagismo, de segurança), uma proposta de ação específica (política de reflorestamento dos parques nacionais, de alfabetização de adultos), uma norma ou normas que existem para determinada problemática (política ecológica, energética, urbana), um conjunto de objetivos e programas de ação que o governo tem em um campo de questões (política de produtividade agrícola, de exportação, de luta contra a pobreza). Ou a política como produto e resultado de específica atividade governamental, o comportamento governamental de fato (a política habitacional conseguiu construir n número de casas, a política de emprego criou n postos de trabalho), o impacto real da atividade governamental (diminuição do crime urbano, aumento da conclusão do ciclo básico de estudos, diminuição dos preços ao consumidor, redução da inflação), o modelo teórico ou a tecnologia aplicável em que se sustenta uma política governamental (política da energia, política de renda regressiva, política de ajuste e estabilização)” (SARAIVA, 2006, p. 31).
[3] Ver também Implantação e implementação de espaço escolar para crianças hospitalizadas. (FONSECA, 2002).
[4] Ver também a Portaria nº 2.261/GM de 23 de novembro de 2005, do Ministério da Saúde (Brasil, 2005b).