domingo, 26 de abril de 2009

Proposta de Lei que cria a escola no hospital

Proposta de Lei que institui no âmbito dos Municípios
as Unidades de Educação em Ambiente Hospitalar


Por Armando C. Arosa
armandoarosa@yahoo.com.br

Obs.: O presente texto não tem caráter acadêmico, mas tem o objetivo de oferecer subsídios para discussão de uma forma possível de regulamentar a escola no hospital.
Texto em contrução.

Os primeiros ensaios de intervenção escolar em hospitais ocorreram na França em 1935 e, posteriormente, na Alemanha e Estados Unidos. O atendimento a criança hospitalizada cresceu sensivelmente após a Segunda Guerra Mundial, quando alguns países da Europa receberam, como fruto cruel deste conflito, crianças mutiladas e com doenças contagiosas como a tuberculose, por exemplo, considerada fatal à época.

A ação educativa no espaço hospitalar mais antiga no Brasil ocorre a desde 1950, no Hospital Jesus, no Rio de Janeiro. Durante os anos seguintes, este trabalho é ampliado, passando a ser desenvolvido no Hospital Barata Ribeiro, mas ainda sem nenhum vínculo ou regulamentação junto à Secretaria de Educação. Os Diretores destes dois hospitais procuraram o órgão responsável do então Estado da Guanabara, na tentativa de regulamentar o serviço. Deste movimento surge a vinculação do atendimento educativo no hospital com a Secretaria de Educação, passando a ser denominado “Classe Hospitalar”.

Hoje, no Brasil, Classe hospitalar é a denominação do atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambiente de tratamento de saúde em circunstância de internação ou ainda na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental. É compreendida na modalidade de Educação Especial por atender crianças e/ou adolescentes considerados com necessidades educativas especiais em decorrência de apresentarem dificuldades no acompanhamento das atividades curriculares por condições de limitações específicas de saúde. Tem por objetivo propiciar o acompanhamento curricular do aluno quando este estiver hospitalizado, garantindo-se a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado.

O processo de consolidação da classe hospitalar vem ocorrendo num cenário em que os movimentos sociais lutam em favor dos direitos da criança (em especial da criança deficiente) e se inscreve como parte do processo de redemocratização, que se expressa na Constituição Federal de 1988, que estabelece que a educação é direito de todos, devendo ser efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Esse direito é ratificado na Lei nº 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e na Lei nº 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Esta última prevê também que os Municípios incumbir-se-ão de organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, baixar normas complementares para o seu sistema de ensino e autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu sistema de ensino;

Parte desse processo se reflete também na edição da Resolução nº. 41 de 13 de outubro de 1995 – CONANDA - CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, que dispõe sobre os direitos das crianças e dos adolescentes hospitalizados. Neste instrumento, a ação educativa hospitalar ganha mais força e visibilidade, aparecendo no cenário nacional com status de obrigação legal. Isto coloca a ação educativa no hospital como parte de uma série de transformações pelas quais o Brasil vem passando na tentativa de colocar a educação e a saúde como direito de todos os/as cidadãos/ãs. Essa Resolução prevê que toda criança hospitalizada tem direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde e acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência no hospital.

O Conselho Nacional de Educação, em 2001, tratou da obrigatoriedade e utiliza a nomenclatura "classe hospitalar", no artigo 13 da Resolução nº 2. A partir desse momento, então, fica indicado que os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar às aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.

Diz a referida Resolução :
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
§ 1o As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular.
§ 2o Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de freqüência deve ser realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que atende o aluno.


Em dezembro de 2002, com base na legislação vigente, a Secretaria de Educação Especial do MEC edita o documento intitulado Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações, em que se encontram os princípios, os objetivos e as formas de organização e funcionamento administrativo e pedagógico das classes hospitalares e do atendimento pedagógico domiciliar

Nesse documento vemos que:
O atendimento educacional hospitalar e o atendimento pedagógico domiciliar devem estar vinculados aos sistemas de educação como uma unidade de trabalho pedagógico das Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Educação, como também às direções clínicas dos sistemas e serviços de saúde em que se localizam.

Esse documento entende que atendimento pedagógico domiciliar é o atendimento educacional que ocorre em ambiente domiciliar, decorrente de problema de saúde que impossibilite o educando de freqüentar a escola ou esteja ele em casas de passagem, casas de apoio, casas-lar e/ou outras estruturas de apoio da sociedade.

Todavia, embora a legislação reconheça o direito da criança de receber esse tipo de atendimento (pedagógico-educacional, durante o período da internação), esta oferta ainda é muito restrita; conseqüentemente, não garante a todas as crianças esse direito, o que acaba gerando mais desigualdade, à medida que se caracteriza como privilégio de algumas poucas.

Desse modo, é de extrema importância que os Municípios e os Estados criem uma unidade de atendimento educacional em ambiente hospitalar. Esse passo representa um grande avanço na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, garantindo a todas as crianças o acesso ao saber socialmente construído.

Para se compreender como se dá esse movimento, é importante que alguns elementos sejam ressaltados. Há a necessidade de que as Unidades Municipais de Educação em Ambiente Hospitalar - UMEAH sejam vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, uma vez que fará parte da rede Municipal de Ensino, utilizando recursos, equipamentos, profissionais e demais elementos que caracterizam o atendimento como escolar. Pertencerá, portanto, à rede regular de ensino, sem se configurar como uma escola especial.

Outro elemento diz respeito à necessidade de ser instalada uma UMEAH em cada Unidade Municipal de Saúde que promova internação ou tratamento ambulatorial pediátrico. A legislação vigente e as orientações do MEC apontam para que as crianças tenham direito à educação escolar nessa modalidade de atendimento independentemente do tempo da internação hospitalar, do tratamento ambulatorial ou em seu domicílio. Nesse último aspecto, vale vincular também à Secretaria Municipal de Educação a avaliação a ser realizada, no sentido de se decidir as estratégias administrativas e didático-pedagógicas a serem adotadas.

As normas de funcionamento da UMEAH serão consignadas em Regimento Escolar Próprio a ser instituído pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde. Nesse documento ficam estabelecidas as formas administrativas de abordagem das questões como: modalidade de matrícula; registro, apuração e controle de freqüência das crianças atendidas; elaboração, guarda e expedição de documentos; atribuições das equipes docente e de gestão da unidade; delimitação dos setores que compõe tal unidade; trânsito dos profissionais nos ambientes do hospital, normas de segurança e prevenção, bem como os demais elementos que contém uma unidade de ensino.

Vale trazer aqui, também, a Lei nº 9.394, quando estabelece que a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. Sendo assim, a Secretaria Municipal de Educação deverá prever em sua proposta pedagógica a forma de organização da escolaridade desenvolvida em ambiente hospitalar. A UMEAH deverá, portanto, construir tamém seu Projeto Político Pedagógico.
Para que se garantam os recursos para seu pleno funcionamento, a Secretaria Municipal de Educação deve ser a mantenedora da UMEAH, inclusive determinando que a equipe docente e a equipe gestora de cada UMEAH sejam compostas por profissionais de educação do seu quadro efetivo de servidores.

Quanto a esses profissionais, é necessário que, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, seja consolidada uma política de formação continuada em serviço que promova a construção de conhecimentos, valores e práticas que contribuam para sua formação plena. Mas é igualmente importante que se discutam questões acerca das potencialidades e necessidades específicas atinentes ao seu trabalho cotidiano, lembrando que não há, salvo engano, curso de graduação específico para essa modalidade de atendimento, sendo possível encontrar cursos de Pós-graduação lato sensu, tanto em Educação Especial quanto em Pedagogia Hospitalar.

Como é uma modalidade de atendimento educacional relativamente nova e pouco conhecida, é bom também que se garantam aos profissionais do magistério seus direitos e vantagens, uma vez que quando afastados da escola convencional alguns desses direitos e vantagens são perdidos, como, por exemplo, aposentadoria especial e gratificação por regência de turma. Esse é mais um argumento administrativo, além de outros de caráter pedagógico não mencionados neste texto, para se instituir a escola no hospital, por meio da UMEAH.

É urgente que se criem condições para que todas as crianças sejam atendidas em seus direitos, todavia sabemos das dificuldades por que passam muitos municípios, por isso é necessário que seja oferecido um prazo para que as prefeituras organizem seus recursos e criem as UMEAHs. Esse prazo não pode ser muito elástico e deve ser o suficiente para as adequações orçamentárias a serem realizadas, bem como para a formação dos profissionais que atuarão na unidade.


Por fim, convicto do elevado alcance social da iniciativa, apresento uma proposta de texto legal que possa servir de parâmetro para discussão em sua cidade. Em cada município há particularidades que suscitarão adequações e correções na presente proposta, que pode ser acolhida pelo Prefeito, mandando-a como Mensagem à Câmara Municipal, ou ainda ser apresentada por um Vereador, como Projeto de Lei a ser votado pela casa legislativa de sua cidade.

Realizadas as adaptações legais e redacionais, tal proposta pode ser igualmente apresentada em nível estadual, às Assembléias Legislativas, para criação das referidas Unidades no âmbito das Secretarias Estaduais de Educação.

Lembro que as possíveis imperfeições nela contidas precisam ser sanadas e decorrem do fato de ter sido elaborada por quem não tem conhecimento jurídico. Ressalto também que esse movimento se inscreve no mesmo movimento que deseja ver o direito ao conhecimento garantido a todos os cidadãos. Sendo assim, no momento em que muitos municípios discutem seus Planos Municipais de Educação, é desejável que haja um amplo debate a respeito do tema e que a promulgação da Lei seja o reflexo da vontade de cidadania que deve caracterizar as ações de todos os legisladores, que por natureza de suas funções também são educadores.



MENSAGEM ou PROJETO DE LEI Nº .............. DE ..............DE................DE 2009
Cria as Unidades Municipais de Educação em Ambiente Hospitalar - UMEAH

O Prefeito Municipal do Município de ...................................., do Estado do Rio de Janeiro, no uso de suas atribuições, sanciona a seguinte Lei:

Considerando a Constituição Federal;
considerando as determinações legais da Lei Federal nº 9.394 de 20/12/1996;
considerando as disposições da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990;
considerando o disposto na Resolução CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001;

Art. 1º - Ficam criadas as Unidades Municipais de Educação em Ambiente Hospitalar - UMEAH, vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, a serem instaladas em cada Unidade Municipal de Saúde que promova internação ou tratamento ambulatorial pediátrico administrada pelo Sistema Municipal de Saúde.

Art. 2º - Cada UMEAH tem como atribuição promover o atendimento educacional às crianças em idade escolar que se encontram em situação de internação, atendimento ambulatorial ou domiciliar, promovido pelo Sistema Municipal de Saúde.

Parágrafo Único - O atendimento educacional às crianças de que trata o caput deste artigo será realizado na modalidade de atendimento domiciliar, mediante avaliação a ser realizada pela Secretaria Municipal de Educação, ficando administrativa e pedagogicamente vinculada à UMEAH mais próxima da residência da criança atendida.

Art. 3º A Secretaria Municipal de Educação deverá estabelecer as diretrizes didático-pedagógicas para o funcionamento da UMEAH.

§ 1º. Cada UMEAH construirá seu Projeto Pedagógico, em consonância com as diretrizes didático-pedagógicas de que trata o caput deste artigo

§ 2º. Cada UMEAH terá seu funcionamento regido por Regimento Escolar, próprio a ser instituído pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde.

Art. 4º Aos servidores designados para exercício na UMEAH ou para o atendimento educacional domiciliar, em efetivo exercício da função, ficam assegurados todos os direitos e garantias atinentes ao profissional que desempenha atividades de magistério, bem como aqueles direitos que possa adquirir em função do exercício profissional em ambiente hospitalar.

Art. 5º- A Secretaria Municipal de Educação deve garantir os recursos materiais e financeiros, bem como a lotação dos servidores necessários ao pleno funcionamento de cada UMEAH.
Parágrafo Único - A equipe docente e a equipe gestora de cada UMEAH serão compostas por profissionais de educação do quadro efetivo da Secretaria Municipal de Educação, que tenham habilitação ou formação em serviço que atenda às necessidades da demanda pedagógica.

Art. 6º A municipalidade terá o prazo de 12 meses a contar da publicação desta Lei para atender às suas determinações.

Art. 7º A presente Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se todas as atribuições em contrário.

......................, .............de.................de.....................

Prefeito







Bibliografia consultada:

AROSA, Armando C. e SCHILKE, Ana Lucia (orgs). A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007.
__________ Quando a escola é no hospital. Niterói: Intertexto, 2008.

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao_Compilado.htm

_________Lei nº 9.394 de 1996. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm

_________Lei nº 8.069 de 1990; Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm

_________ Resolução CNE/CEB Nº 2 de 2001. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf
_________ Ministério da Educação. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar : estratégias e orientações. / Secretaria de Educação Especial. – Brasília : MEC ; SEESP, 2002.
__________ CONANDA. Resolução nº. 41 de 13 de outubro de 1995. Disponível em http://www.mp.rs.gov.br/infancia/legislacao/legislacao/id2178.htm?impressao=1&